“ O impacto do tabagismo na transmissão do novo coronavírus SARS-CoV-2, na gravidade e na mortalidade por COVID-19 ainda não se encontra bem esclarecido e têm sido poucos os esforços realizados no sentido de aumentar esse conhecimento.
A Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia pretende fazer uma revisão teórica da bibliografia existente até à data, incentivar a investigação nesta área e elaborar um conjunto de recomendações. Como sabemos, o consumo de tabaco constitui um importante fator de risco para várias patologias crónicas, nomeadamente doenças respiratórias, cardiovasculares, diabetes e cancro, entre outras, grupos que correm maior risco de doença grave e mortalidade por COVID-19.
O tabagismo tem um efeito imunossupressor reconhecido, tornando os fumadores mais vulneráveis às infeções respiratórias. A análise bioquímica da expectoração induzida de fumadores saudáveis revelou um ratio mais elevado de células T CD4+/CD8+ e uma percentagem menor de linfócitos T CD8+, cuja atividade é fundamental para a rápida resolução de infeções virais agudas, o que sugere um défice da imunidade mediada por células e uma maior suscetibilidade às infeções virais1 .
Estudos prévios demonstraram que os fumadores têm 34% maior probabilidade de infeção por influenza do que os não-fumadores e apresentam maior risco de internamento hospitalar. Verificou-se uma taxa de mortalidade por outros coronavírus superior nos fumadores, como no surto prévio de MERS (Middle East Respiratory Syndrome).
Esta suscetibilidade inclui provavelmente o novo coronavírus por mecanismos adicionais: Brake mostrou recentemente que fumar tem o potencial de regular positivamente o recetor da enzima conversora de angiotensina-2 (ACE2) no epitélio respiratório, que corresponde ao recetor de ambos os SARS-coronavírus (SARS-CoV e SARS-COv-2) e do coronavírus respiratório humano NL6384.
Além dos fumadores, esta expressão também se encontra aumentada nos doentes com doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC), tornando este recetor num potencial alvo terapêutico e sugerindo uma maior suscetibilidade à COVID-19 nesta população.
Cai relatou recentemente uma maior expressão do gene ACE2 nas amostras de fumadores em comparação com nunca fumadores e Zhao et al. mostraram que a proteína ACE2 é expressa na superfície dos pneumócitos tipo 2, nos quais os genes que regulam a reprodução e transmissão viral têm elevada expressão. Além da expressão de ACE2 estar elevada nos doentes com DPOC, possivelmente também pode ocorrer em doentes com outras doenças pulmonares crónicas, como a fibrose pulmonar idiopática.
Por outro lado, o contacto mão-boca e mão-face realizado frequentemente e repetidamente pelos fumadores, constitui uma fonte de infeção reconhecida. Adicionalmente, a partilha de tabaco e seus produtos está associado a risco de contágio, como por exemplo a partilha de cigarros ou do cachimbo de água ou shisha. Além disso, a utilização de cachimbo de água ou cigarro eletrónico é um risco para transmissão do SARS-CoV-2, pois o utilizador exala gotículas de vapor, que podem transportar o vírus9.
Apesar de escassa, a evidência científica disponível sugere uma associação entre tabagismo e gravidade da COVID-19. O maior estudo publicado até à data, que incluiu 1099 doentes diagnosticados com COVID-19 (Guan et al), mostrou que no grupo de doentes com sintomas graves à admissão (n=173), 16.9% eram fumadores ativos e 5.2% eram ex-fumadores, enquanto que se verificaram 11.8% de fumadores ativos e 1.3% de ex-fumadores no grupo sem sintomas de gravidade à admissão (n=926)10.
Além disso, verificou-se que, no grupo de doentes com prognóstico desfavorável (necessidade de internamento em Unidade de Cuidados Intensivos, ventilação mecânica ou morte), 25.5% dos doentes eram fumadores ativos e 7.6% ex-fumadores10.
A partir dos dados publicados, Vardavas e Nikitara calcularam que os fumadores tinham 1.4 vezes maior probabilidade (RR: 1.4, IC95%: 0.98–2.00) de apresentar sintomas graves de COVID-19 e aproximadamente 2.4 vezes maior probabilidade de internamento em Cuidados Intensivos, necessidade de ventilação mecânica ou morte em comparação com não-fumadores (RR = 2.4, IC 95%: 1.43-4.04)11.
Um outro estudo com 78 casos de pneumonia COVID-19 publicado por Liu et al mostrou que, em 27.3% dos doentes com história de tabagismo, verificou-se agravamento clínico após duas semanas de evolução em comparação com 3.0% no grupo dos não-fumadores; a análise de regressão logística multivariada indicou que a história de tabagismo representa um risco de progressão da doença catorze vezes superior (OR: 14.28; IC95%: 1.58–25.00; p=0.018)11,12.
Na China, a prevalência de tabagismo nos homens é de aproximadamente 48%, mas apenas 3% nas mulheres; os dados da Missão Conjunta OMS-China sobre Coronavírus 2019 reportam uma taxa de mortalidade mais elevada nos homens do que nas mulheres (4.7% vs. 2.8%), facto que poderá estar relacionado com os hábitos tabágicos, mas que carece de mais investigação13,14.
Por todas estas razões, para além dos benefícios para a saúde e possível impacto na gravidade da doença COVID-19, é plausível que um aumento na taxa de cessação tabágica possa ajudar a reduzir a transmissão comunitária de SARS-CoV-2.
No contexto pandémico, baseada na evidência já disponível, a Sociedade Portuguesa de Pneumologia emite as recomendações abaixo.
Este documento será revisto sempre que novas evidências o justifiquem.
RECOMENDAÇÕES
https://www.sppneumologia.pt/uploads/subcanais_conteudos_ficheiros/tabaco-e-covid19.pdf