O preço a pagar pela privação do descanso é muito alto em todo o mundo: só à economia americana custa 347 mil milhões de euros todos os anos.
A regra foi criada pelos operários americanos na altura da Revolução Industrial, para limitar as horas de trabalho: exigiram aos patrões oito horas para dormir, oito para trabalhar e oito para lazer.
Uma medida que resultou no aumento da produtividade, mudou o paradigma da indústria e continua a ser tema de estudo nos tempos que correm.
Em Outubro, os geneticistas Michael Rosbash, Jeffrey Connor Hall e Michael Warren Young foram galardoados com o Prémio Nobel da Medicina pelas novas descobertas sobre o funcionamento dos genes que estão ligados ao sono: o nosso relógio biológico é único, complexo e pode avariar.
“A ansiedade é um fator muito importante e que pode avariar o relógio biológico”, explica à FORBES Joaquim Moita, presidente da Associação Portuguesa do Sono (APS) e coordenador do Centro de Medicina do Sono do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. “Alguns estudos demonstram mesmo que nos períodos de crise económica há perturbações mais graves. Sem dormir o cérebro sofre alterações e existem mudanças cognitivas, como menor rapidez de raciocínio e de memória e uma propensão para adormecer no local de trabalho”, exemplifica o especialista.
A falta de sono tem um forte impacto na economia mundial, custando milhares de milhões de euros todos os anos e em todo o mundo. Um recente estudo da OCDE mostra que na economia norte-americana os custos ultrapassam os 300 mil milhões de euros. No Reino Unido, a fatura é de cerca de 42 mil milhões.
Já há mesmo quem considere que a falta de sono é uma epidemia e que vai ser dos principais problemas económicos e sociais do século. É que os custos começam na diminuição do desempenho ou na tomada de decisões erradas – portanto, localmente – e vão subindo quando se contabilizam os impactos na saúde – logo, a um nível mais global.
Segundo o Instituto de Pesquisa Rand Europe, pequenas mudanças podem ter um grande impacto na economia. Por exemplo, se as pessoas que dormem seis horas por noite passassem a descansar sete horas diárias, isto poderia significar um incremento de 192 mil milhões de euros na economia norte-americana.
Em relação ao Japão, o ganho seria de 64 mil milhões de euros, apontam os mesmo investigadores. Na Alemanha, esta mudança comportamental cifrava-se num ganho de 29 mil milhões, um valor superior aos 25 mil milhões no Reino Unido e aos 10 mil milhões de euros no Canadá.
Em entrevista recente, a neurologista Teresa Paiva, especialista em sono, realçava o facto de o assunto da falta de sono agora “estar na moda” porque “se começou a perceber que o sono é importante do ponto de vista económico”.
Ao Público, a cientista revelou no Verão que se “sabe que a falta de sono tem imensos custos económicos, pelos lapsos diretos, de diminuição do desempenho, de maior tempo na execução de tarefas, decisões erradas”.
Teresa Paiva salientava então os custos do absentismo e do presentismo – quando a pessoa até vai trabalhar mas não está ativa.
Além disso, é preciso ter em conta uma série de estudos que revelam a associação entre a falta de sono e várias doenças como demências, diabetes, insónia, depressão, doenças cardiovasculares, cancros ou enfartes que passaram a ser mais recorrentes.
Pedro Pita Barros, professor catedrático de Economia na Universidade Nova de Lisboa, confirma à FORBES que a perda de “capacidades analíticas e de discernimento com a privação do sono” é uma realidade no meio empresarial. O reflexo no PIB é uma consequência. “Olhando para o tempo tomado a trabalhar, é perfeitamente razoável pensar que a partir de um certo número de horas o tempo adicional gasto tem pouco efeito, e é tempo retirado ao sono”, afirma o professor catedrático.
Já no ano passado a consultora McKinsey tinha chamado a atenção para esta questão: “A deficiência de sono afeta o desempenho dos executivos, por minar comportamentos importantes para a liderança, e pode prejudicar a atuação financeira da empresa”, escreviam Nick van Dam e Els van der Helm no relatório “O Custo Operacional do Sono Insuficiente”, publicado em Fevereiro de 2016.
Segundo dados do Instituto Nacional de Saúde Norte-Americano o risco de mortalidade aumenta 13% entre as pessoas que dormem, em média, menos de seis horas por noite.
A comparação foi feita com pessoas que dormem uma média de sete horas diárias. Isto significa, portanto, um aumento de risco de morte das pessoas em idade ativa, com os consequentes custos sociais e económicos.
O sono dos líderes
Arianna Huffington, uma das mulheres mais bem-sucedidas nos Estados Unidos da América e fundadora do jornal on-line “The Huffington Post”, implementou algumas medidas na redacão depois de ter desmaiado por privação do sono e exaustão profissional: ninguém consultaria o e-mail de trabalho depois do horário laboral e todos teriam, pelo menos, três semanas de férias consecutivas.
Foram também instaladas duas salas para sestas no jornal. “Há pessoas que voluntariamente dormem pouco, acham um desperdício de tempo dormir”, lamenta Joaquim Moita.
No livro “Why We Sleep” publicado recentemente, o neurocientista norte-americano Matthew Walker mostra que o “bom” sono deverá ser uma mistura de quantidade e qualidade.
O especialista garante que as horas de sono têm vindo a diminuir nos países mais desenvolvidos ao longo das últimas décadas, muito devido ao ritmo frenético e ao aumento dos níveis de exigência e, consequentemente, de ansiedade.
O álcool e o café, dois aliados para as jornadas longas, são disruptores do repouso, tal como os dispositivos eletrónicos (tablets e smartphones, por exemplo) que emitem luz e se tornam uma barreira à entrada nos ciclos de sono mais profundos. “À noite, a radiação azul existente em alguns dispositivos electrónicos, influencia a produção da hormona do sono”, explica Joaquim Moita.
Existem ainda outros fatores para a privação do descanso como o tabagismo, a falta de atividade física e o stress no trabalho.
No universo dos decisores, as horas de sono variam de caso para caso. A presidente-executiva da PepsiCo, Indra Nooyi, descansa apenas cinco horas por noite.
O fundador da Virgin Group, Richard Branson, dorme no máximo seis horas. Tim Cook, presidente-executivo da Apple, e Bill Gates, cofundador da Microsoft, afirmam dormir sete horas diárias.
No entanto, aliam menos horas de sono a uma alimentação saudável, exercício físico diário e meditação, o que, segundo investigadores da americana National Sleep Foundation, acaba por diminuir os efeitos nefastos da falta de repouso.
https://www.forbespt.com/quantos-milhoes-custa-a-falta-de-sono/
15 Novembro, 2018 17:24
Artigo incluído na edição de November 2017