O sono e a adolescência

O sono e a adolescência

“Antes do nascimento e pouco depois, o desafio para o desenvolvimento era construir e acrescentar um número vasto de ligações neurais e interconectores que formassem um verdadeiro cérebro. Como já referimos, o sono REM desempenha um papel essencial na proliferação deste processo ajudando a povoar todas as regiões cerebrais com conetividade neurológica e ativando posteriormente essas ligações com uma boa dose de banda larga.

Mas uma vez que esta primeira ronda de ligações cerebrais é  propositadamente exagerada, é necessário que aconteça uma segunda ronda de remodelações. É o que acontece no fim da infância e na adolescência. Aqui, o objetivo da arquitetura cerebral não é aumentar a escala, mas sim reduzi-la para atingir os objetivos de eficácia e eficiência. O tempo para acrescentar ligações neurológicas com a ajuda do sono REM já acabou. Em vez disso, a ordem do dia, ou devo dizer, da noite, é podar estas ligações. E é aqui que entra a mão escultora do sono NREM.

As experiências únicas de uma criança durante os seus anos formadores traduzem-se depois num conjunto de estatísticas de uso pessoal. Essas experiências, ou estatísticas, proporcionam o ponto de partida personalizado para uma última ronda de ajustes no cérebro.

Uma das muitas funções desempenhadas pelo sono NREM é a de desbaste sináptico que ocorre principalmente na adolescência. Numa extraordinária série de experiências, Irwin Feinberg, o pioneiro investigador do sono, descobriu algo fascinante sobre como esta operação de redução ocorre no cérebro adolescente. As suas descobertas ajudam a justificar a opinião que o leitor pode ter: a de que os adolescentes têm uma versão menos racional de um cérebro adulto, que correm mais riscos e têm uma capacidade de decisões relativamente pobre….o sono profundo parece ser uma força motriz da maturação cerebral e não o contrário.

http://www.hw.com/portals/3/news/HWPA%20Speech%20Huybrechts%2009.pdf

Feinbreg fez uma segunda descoberta fundamental. Quando examinou a cronologia das mudanças na intensidade do sono profundo em cada parte da cabeça, os resultados não foram iguais. Os padrões oscilantes começavam na parte de trás do cérebro, que desempenha as funções visuais e de perceção espacial e a última paragem situava-se no extremo do lobo frontal, que permite o pensamento racional e a capacidade de tomar decisões. Certamente que o sono não é o único fator de desenvolvimento do cérebro, mas aparenta ser bastante significativo no progresso do pensamento adulto e na capacidade de raciocínio.

Reconhecer a importância do sono NREM profundo nos adolescente foi fundamental para o nosso entendimento de um desenvolvimento saudável, mas também nos ofereceu pistas quanto ao acontece quando as coisas correm mal e o desenvolvimento é anormal. Muitas das perturbações psiquiátricas, como a esquizofrenia, a desordem bipolar, a depressão séria e PHDA são agora consideradas como perturbações de desenvolvimento anormal, uma vez que emergem mais vulgarmente durante a infância e a adolescência.

Os adolescentes enfrentam dois outros desafios na sua luta para obterem horas de sono suficientes à medida que os seus cérebros se desenvolvem. O primeiro é uma mudança do ritmo circadiano. O segundo são os horários a que as aulas começam – demasiado cedo. Enquanto crianças, desejámos muitas vezes poder ficar acordados até mais tarde para ver televisão, ou acompanhar os pais e irmãos mais velhos no que eles fizessem durante o serão. Mas sempre que tínhamos oportunidade, o sono acabava por levar a melhor, no sofá, na cadeira e às vezes mesmo no chão. O motivo não é apenas que as crianças precisam de dormir, mas também que o ritmo circadiano obedece a um horário antecipado.

No entanto, os adolescentes têm um ritmo circadiano diferente dos irmãos mais pequenos. Durante a puberdade, o ritmo do núcleo supraquiasmático é progressivamente empurrado para a frente: é uma mudança comum a todos os adolescentes, não obstante a cultura ou localização geográfica. Na verdade, ele avança tanto  que ultrapassa até o dos pais adultos. O aumento dos níveis de melatonina e a instrução para a escuridão e para o sono estão a muitas horas de distância. Como consequência, o adolescente de 16 anos não terá o menor interesse em ir para a cama às nove da noite.

https://socialsciences.nature.com/posts/59485-out-of-synch-adolescents-internal-timing-and-school-start-times

Claro que esta situação origina grande ansiedade e frustração para todas as partes envolvidas em cada extremo da noite de sono. Os pais querem que os adolescentes acordem a uma hora «razoável» da manhã.

Infelizmente, nem a sociedade nem as nossas atitudes parentais estão bem concebidas para apreciar ou aceitar que os nossos adolescentes precisam de dormir mais tempo do que os adultos e que estão biologicamente construídos para obterem esse sono a horas diferentes das dos pais. É muito compreensível que os pais se sintam frustrados com isto, uma vez que acreditam que estes padrões de sono dos adolescentes refletem uma escolha consciente e não uma construção biológica.

Estes padrões não se vão manter eternamente na vida dos adolescentes. À medida que atingem a idade adulta e a meia idade, os seus ritmos circadianos começam lentamente a recuar.”

 

Fonte: Walker, Matthew; Porque dormimos?; Men’s Journal, fevereiro 2019, 978-989-8892-25-6 Pág 102 a 110