Como se começa a fumar

Como se começa a fumar

“Recordar como foi a primeira vez…Correndo embora o risco de forçar portas já abertas, gostaria de concretizar alguns fenómenos já bem conhecidos.

Há em primeiro lugar as influências sociais. São amplamente desenvolvidas pela ação perniciosa, e muito eficaz, da publicidade. O aumento da influência dos meios de comunicação social pode explicar o paralelo aumento do consumo do tabaco nos últimos anos. As recentes medidas contra o tabaco vieram, certamente, moderar a situação; mas os atrativos do cigarro e a significação que lhe é atribuída têm origem em outras motivações que são tanto ou mais fortes que essas. Alguns exemplos: o charuto a ideologia da burguesia ou os simpatizantes do movimento catrista, o requintado cigarro de filtro, o cigarro «popular», o cigarro enrolado à mão dos ecologistas…

Nas crianças, o papel iniciático do cigarro, que é assimilar a entrada no mundo dos adultos, sempre teve um certo peso. A criança pode ser levada pelo exemplo dos pais: e a probabilidade de uma criança adquirir o hábito de fumar é tanto maior quanto os seus pais o tiveram também. Mas as crianças de 8 a 10 anos de idade são naturalmente hostis e mostram-se intrigadas com a atitude dos pais que fumam. Na falta de resposta para as suas dúvidas, são levadas a atribuir ao cigarro uma auréola misteriosa. Na sequência de associações de ideias geralmente inconscientes, o hábito de fumar fica então ligado a um prazer de novo género, para o qual são necessárias uma certa maturidade e uma certa iniciação. A criança julga adquirir a condição de homem ou de mulher por intermédio do tabaco. Mas eu gostaria de acrescenta que esta explicação só é válida para crianças de personalidade fraca e muito nervosas, cuja educação é enfraquecida por carências dos pais (casais desunidos, má atmosfera familiar). Uma criança deficientemente estruturada por tal ambiente terá maior propensão para começar a fumar.

https://oglobo.globo.com/sociedade/artigo-fumo-passivo-em-criancas-de-maes-fumantes-repercute-toda-vida-24286602

Mais tarde, por volta dos 13 ou 14 anos, o contacto com o tabaco é largamente condicionado pelo mimetismo e pelo sistema cultural próprio da adolescência. Ao constituir os seus grupos de amigos, os adolescentes reproduzem nessa micro sociedade a sociedade dos adultos, que com ela pretendem contrabalançar. O adolescente que procura a sua identidade é levado a criar outros laços; e nesse âmbito se desenvolve a significação do cigarro como símbolo de autonomia e sinal de reconhecimento da personalidade. Verifica-se então o arrastamento dos mais jovens pelos mais crescidos. Esta ação é realmente semelhante à de um rolo compressor: a proporção dos jovens que fumam regularmente triplicou em poucos anos. O grau de resistência à pressão do grupo é, evidentemente, muito variável; mas os factores que o condicionam também aí se encontram estreitamente relacionados com o papel desempenhado pelos pais.

Finalmente, depois dos 15 anos, o adolescente já não tem necessidade de elementos que lhe assegurem ser já um homem ou uma mulher. As motivações características da adolescência são substituídas pelas satisfações orais e sociais do cigarro e o hábito de fumar instala-se e passa a ser, em si próprio, uma necessidade.

http://payro.sejose.com/tween-e-adolescente-saude-16

É interessante acentuar que, ao longo de todo este processo, as crianças e os jovens analisam com lucidez as fases por que vão passando. De facto, 62% deles são da opinião de que um jovem que fuma é uma pessoa fraca que não consegue resistir às influências alheias!

E se, por motivos específicos da adolescência, a adesão ao tabaco é um jogo entre os jovens e adultos, tanto os pais como os professores têm nesse jogo uma importância determinante.

O consumo de tabaco pelas mulheres está em constante aumento – paralelamente ao seu «advento social». As mulheres novas, em contacto com homens que trabalham e fumam, não têm motivos nenhuns para renunciarem ao hábito de fumar: pelo contrário, não podem se não reforçá-lo; de modo que, ao passo que na idade de 60 anos há uma mulher fumadora para cada cinco homens que fumam, aos 18 anos há tantas fumadoras como fumadores. E assim o hábito de fumar irá gradualmente igualizar-se entre os dois sexos.

Uma prevenção bem organizada não começa pelo próprio. Enquanto 36% da população adulta reconhecem que fumam, essa proporção passa para 57% entre médicos – percentagem bastante superior à da classe etária mais fumadora, a dos 18 aos 24 anos, que fuma 50%. Façam o que eu diga …

 

Fonte: Roger, Jean Luc; Como Deixar de Fumar; Publicações Dom Quixote, 1984, 71308