Aprendizagem sono-da-noite-anterior

Aprendizagem sono-da-noite-anterior

 “Dormir antes de aprender renova a nossa capacidade de fazer inicialmente novas memórias. Isto acontece todas as noites sem falha. Enquanto estamos acordados, o cérebro está constantemente a adquirir e a absorver novas informações (intencionalmente ou não). As oportunidades de memorização de facto mais fugazes têm origem em partes específicas do cérebro. Para informações baseadas em factos – o que a maior parte de nós classifica de aprendizagem tipo – como memorizar o nome de alguém, um número de telefone ou o local onde estacionámos o carro -, uma região cerebral chamada hipocampo é uma estrutura longa, com a forma de um dedo, aninhada em cada um dos lados do cérebro, e oferece um reservatório a curto prazo, uma espécie de armazém de informações temporário, onde acumula novas memórias. Infelizmente o hipocampo tem uma capacidade de armazenagem limitada, quase como um rolo de uma máquina fotográfica, ou, para usar uma analogia mais moderna, uma unidade de armazenamento USB. Se excedermos a sua capacidade, corremos o risco de não conseguirmos adicionar mais informação, ou de registar uma nova informação por cima da outra já existente, o que é igualmente mau: este é o percalço a que esquecimento por interferência.

https://italo.com.br/blog/sem-categoria/memoria/

Então como lida o cérebro com este desafio da capacidade de memória? Há alguns anos, a minha equipa de investigação questionou-se se o sono ajudava a resolver este problema de armazenamento através de um mecanismo de transferência de ficheiros. Examinámos se o sono transportaria as memórias recém-adquiridas para um local mais permanente- com capacidade de retenção a longo prazo – dentro da estrutura cerebral, libertando assim a capacidade da memória a curto prazo, possibilitando a renovada habilidade de novas aprendizagens.

Começámos a testar esta teoria através das sestas diurnas. Recrutámos um grupo de jovens adultos saudáveis e dividimo-los ao acaso em dois grupos: um que fazia sestas e outro que não fazia sestas. Ao meio-dia, todos os participantes passavam por uma rigorosa aprendizagem (uma centena de correspondências entre nomes e rostos) cuja intenção era saturar o hipocampo, a região de armazenagem de memórias a curto prazo. Como era esperado, ambos os grupos tiveram um desempenho semelhante. Pouco depois, o grupo que fazia sestas dormiu durante 90 minutos no laboratório do sono, com elétrodos colocados sobre as suas cabeças para medir o sono. O grupo que não fazia as sestas permaneceu acordado no laboratório e desempenhou tarefas simples como navegar na internet ou jogar jogos no tabuleiro. Mais tarde no mesmo dia, por volta das seis da tarde, todos os participantes passaram por nova ronda de aprendizagem intensa em que tentaram decorar um novo conjunto de factos e guardá-los nos seus reservatórios de memórias a curto prazo (mais uma centena de correspondências entre nomes e rostos). A nossa pergunta era simples: A capacidade de aprendizagem do cérebro humano diminui com o tempo de vigília contínuo ao longo do dia e, se sim, pode o sono reverter este efeito de saturação e restaurar a capacidade de aprendizagem?

O grupo que esteve acordado durante todo o dia tornou-se progressivamente pior no processo de aprendizagem, apesar de a sua capacidade de concentração permanecer estável (determinada por testes de atenção e resposta cronometrada diferentes). Em contraste, o grupo que dormiu a sesta teve resultados bastante melhores e, na verdade, até melhorou a sua capacidade de memorização de factos. A diferença entre ambos os grupos às seis da tarde foi significativa: o grupo que dormiu a sesta teve uma vantagem de 20% de aprendizagem.

Depois de observarmos que o sono restaura a capacidade de aprendizagem do cérebro, criando espaço para novas memórias, fomos à procura do que existia realmente no sono que tornava este processo de restauro possível e benéfico. Encontrámos a nossa resposta ao analisar as ondas cerebrais do grupo que dormiu a sesta. A restauração da capacidade de memorização estava relacionada com a fase 2 do sono NREM, que é leve, e mais especificamente com as explosões curtas e poderosas de atividade cerebral chamadas fusos do sono.

identificação de dois Padrões de fusos do sono em segmento do registro de EEG

https://www.researchgate.net/

Quantos mais fusos do sono uma pessoa obtiver durante a sesta, maior será a restauração da sua capacidade de aprendizagem depois de acordar.

Relacionando este estudo com a população mais velha, descobrimos: quanto menos fusos de sono um cérebro idoso produz em determinada noite, mais baixa será a sua capacidade de aprendizagem no dia seguinte. Esta ligação entre o sono e a aprendizagem é mais um motivo para a medicina começar a levar mais a sério as queixas dos mais velhos relacionados com o sono; por outro lado, ela também incentiva investigadores, como eu, a encontrar novos métodos não farmalógicos para melhorar o sono na população idosa de todo o mundo.”

Fonte: Walker, Matthew; Porque dormimos?; Men’s Journal, fevereiro 2019, 978-989-8892-25-6 Pág 125 a 128